"Sentado naquela mureta de pedra, eu estava assistindo um pouco do fim de tarde passar...
O trem passava nas minhas costas, pessoas iam e vinham, a calçada estava secando um pouco da chuva e aquele vapor quente começava a me incomodar. Observar é um dos meus passatempos prediletos e acho que naquele dia as coisas estavam especialmente ajeitadas para eu me deliciar com o meu hobby, um senhor do meu lado, falava sozinho algumas coisas sobre uma tal de Margarida, misturava outras coisas sobre política e no final.... resmungava que um dia havia sido muito rico.
Outras pessoas estavam por lá, um grupo de garotos, todos com cabelos compridos, suas maletas de instrumentos... (me disseram depois que são "cases") e o seu papo exagerado e um tanto quanto bebado, olhavam e zombavam de um outro que passava, era sábado... e ele estava vestido com aquelas roupas engraçadas de escoteiro. Alguns casais andavam por ali, uma bonita mestiça e um rapaz com ar intelectual andavam de mão dada, duas meninas estavam afetuosamente abraçadas, e um outro par.... subia no carro inteiramente molhado após a tempestade da tarde... vi tudo isso, sentado naquela mureta.
Mas depois, o sol ja estava bem mais baixo e a turma de garotos de preto ja tinha ido embora, vi a ultima figura daquela tarde, tarde cheia, e depois disso, estranhamente vazia...
Outra figura, um rapaz que devia ter sido sadio há alguns meses, andava todo maltrapilho, calçava apenas um pé do par de tenis, cambaleva... cabelos sujos e a testa sangrando, a camisa, não era qualquer uma, um corte bonito, estava suja... porém era vermelha... nova... ja lhe parecia bem folgada, um homem parou o carro e lhe deu um envelope com um lanche...
Chorava, chorava muito, comia devagar aquela metade preciosa de pão com alguma coisa, lhe parecia um tesouro nas mãos, acho que não aguentou muito o peso daquela comida que há dias não via, sentou... levou a mão a barriga e soluçou mais, a dor daquele estomago frágil ao receber qualquer coisa diferente de água deveria ser muito grande, aos poucos foi caindo e então de subito desmaiou.
Eu não podia sair da minha mureta, meu papel aqui é só observar, mas o mais interessante, é que ao desmaiar um homem que sempre fica naquela região, sentou do meu lado, deu um riso daqueles "meio sem graça" e disse pra mim.... "Você estava olhando pra ele não é? (E apontou ao desmaiado...) As coisas são engraçadas .... quem dividiu o lanche com o rapaz foi o próprio irmão dele, parece que um saiu de casa por conta do dinheiro dos pais que morreram, era tanta confusão que ele achou melhor sair de casa, o outro ficou lá e de vez em quando, vem fazer compras aqui no centro, finge que não conhece o irmão e sei lá por que... dá sempre metade de um pão para ele.... mas ultimamente esses encontros estão cada vez mais raros..."
Me contou isso e se foi...
Eu fiquei cansado e também fui...
No outro dia... o mesmo homem estava lá... fraco e recuperado, lendo a manchete do jornal pendurado na banca, o Outro... o irmão que agora passava de vez em quando para lhe dar aquele pão... fora encontrado morto no quarto... mobilia revirada, garrafas no chão... e uma corda no pescoço...
Pelo que contam... a unica coisa que fora encontrada com algum nexo no quarto dele era um bilhete:
"O que eu faço com tudo isso..."
Talvez alguém compre mais pães agora...
Beijo na testa
1 comment:
É, pelo jeito não é só ele quem não sabe o que fazer com tudo aquilo...
certamente nós não saberíamos.
Que bom, não?!
Ah! E a propósito, gostei dos transeuntes.
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