A do Paulo e a do Vinicius.
Os dois moram no Jd. do Príncipe, bairro pobre que vive aparecendo nos jornais em época de chuva, por que sempre alaga. O Paulo, é aquele típico brasileiro que não desiste nunca, começou a vida vendendo caldo de cana, com um carrinho que o pai dele bancou, depois arrumou um curso de office boy, arrumou um emprego, estava até indo bem, mas é um pouco temperamental sabe? Não deu muito tempo lá dentro foi mandado embora, com o dinheiro que recebeu, comprou uma barraquinha, negociou um ponto e lá foi ele trabalhar no centro da cidade como camelô no centro da cidade. O Vinicius é diferente, desde pequeno adorava quando a qualquer momento do dia, ouvia de longe as sirenes das viaturas de polícia, ia correndo pro portão de casa para saber se naquele dia o "camburão" tava no encalço de algum malandro de verdade, ou era desculpa pra furar o trânsito, que quase sempre se acumulava na via principal perto da casa dele. Com sorte, de vez em quando o "Vini" até ouvia uma troca de tiros, adorava quando o bairro dele, a RUA DELE, aparecia no jornal polícial, não interessava que era só pra contar que mais uma vez aquela região era vítima da violência... Não deu outra, Vinicius cresceu, o talento que com ele nasceu, apareceu, e ele é claro policial se tornou.
Paulo e Vinicius eram vizinhos.
Todo santo dia saiam de casa bem cedo, um (o Paulo) de bermuda e a primeira camiseta que vira na gaveta, entrava no passat enferrujado e ia pro "centro" trabalhar, o outro (o Vinicius) saia de barba feita, bota engraxada e farda passada, se encaminhava pro ponto, onde logo embarcaria de graça no onibus que passa na porta do seu Batalhão.
O Paulo chegando na barraca (que está devidamente presa a um poste da rua principal com uma corrente bem grossa) começa a arrumar o palco para suas ofertas, vende umas mochilas bem grotescas vindas da china, com personagens de todos os tipos, desde o monstrinho verde, até aquele grupo de meninas com saias bem curtas e gravatas executivas.
O Vinicius, tem que se apresentar todo dia as 8:13 na formação é o horário certo para trocar o comando, se apresentar ao sargento e formar a patrulha junto com os outros soldados. Hoje, é dia de missão, ficou sabendo de ordem do governador, que vai ter operação especial da prefeitura e que a confusão vai começar logo, o negócio dele e dos outros soldados do batalhão? Contenção de tumultos...
"Hoje é dia de pegar firme hein!" - Brinca um colega do Vinicius...
Ele responde "Vai ser legal demais! hoje é dia de derrubar no minimo uns cinco!"
E logo se postam, motorista e os demais embarcando na viatura... vamos embora!
E o Paulo?
Bom, o Camelô tava lá com as suas mochilinhas, de repente, ele já até sabe o que está acontecendo, se tem colega correndo na direção contrária ao fluxo é por que tem "homi" tirando agindo na má fé e "tomando" o ganha pão deles. Porém hoje, hoje ia ser diferente, os ambulantes não aguentavam mais, ja tinham combinado "ná próxima vez a gente enfrenta eles até o ultimo ser preso ou derrubado (ou os dois, que seja...)
Se organizaram e foram pro embate. Cantos de briga, palavrões, pedaços de pau e pedras voando. Deste momento até uma hora depois tudo ja estava se ajeitando, várias barracas quebradas, a do Paulo, toda acabada, sem mercadoria, e com a lona furada.
Mas é um risco, trabalhar na "informal" é um risco calculado e eles tem sempre uma reserva pra continuar a trabalhar na manhã seguinte, essa história de "perdi tudo" é sempre um papo legal para ser o entrevistado da vez, pela reporter bonita do jornal do meio dia. Ah... o Paulo hoje também, tomou um soco no olho... no meio da confusão, do embate com os fiscais, tomou a porrada, na hora nem sentiu, mas agora até que ta doendo viu?
O Vinicius já tava sentindo o sangue esquentar, quando chegou no "setor 1" e viu os vagabundos parecendo gladiadores no coliseu. Era uma gritaria, gente correndo, gente ficando e eles, descendo da viatura, de escudo e "borracha" na mão, batiam naquela melodia assustadora, no compasso da marcha unica daqueles quarenta. Borrachada, cotovelada, apito e gás de tirar lágrima, dali a pouco, ja tava tudo resolvido, azar de verdade hoje? só o Vinicius, que tomou uma pedrada e mesmo com o capacete, ficou meio atordoado na hora, foi levado rapidinho pro hospital, exame aqui, exame lá... tudo bem, volta pra casa e descança soldado!
Dai, que no final do dia, mochilas e missões a parte, cada um volta pra sua casa...
O Paulo de passat enferrujado
O Vinicius de cabeça enfaixada, entregue na porta de casa por uma viatura.
Eles dois são até amigos sabe, de vez em quando formam dupla no dominó la no bar da esquina.
Vale uma Skol...
"Boa noite Soldado! bateu com a cabeça em algum safado?" Soltou o Paulo
"Pois é! acho que algum safado é que bateu com uma pedra nesta cabeça dura... E este olho? "Emendou o Vinicius
Ah! não é nada! trabalhar na rua tem dessas, de vez em quando sempre outra pessoa quer levar seu produto por um preço menor... quando não é como hoje... que levam de graça! Boa noite! - E foi embora o camelô pra dentro de casa. Não via a hora de fazer uma compressa no olho inchado.
O Soldado também entrou, só queria sua cama hoje.
E os dois, nessas duas estórias tão diferentes.
Só queriam um dia compreender, como seria a vida do vizinho...
Tem hora que tudo é tão parecido né?
Beijo na testa... boa noite para os trabalhadores.
3 comments:
como sempre, a pedra e a bala.
Uma simplicidade encantadora, envolvente e quase arrebatadora. Gostei, mostra um pouco se sua originalidade, sua capacidade única de ser impessoal mesmo com personagens tão presentes. Parabéns, como sempre, pela sua presença.
Abraços,
E.
Boa noite para o Turismólogo ilegal!! hahahahahaahha
Heveline
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