"E não havia um só dia que ele não pensava naqueles dias, acordar já era o gatilho instantâneo para pensar nos passeios de braço dado pela rua, pelas conversas sobre fugir deste mundo, sobre como transformar esse mundo em um lugar melhor.
Também pensava nos beijos, dos primeiros, escondidos, truncados, roubados, achados, dos que vieram depois, apaixonados, assustados, afogados, encurralados na parede do metrô.
"Você é intenso..." Chegava no telefone dele... mensagens escritas na caderneta vermelha, comprada um tempo antes na galeria de arte, na mão dela. Era dolorido desde lá, desde aqueles dias que ao contrário do que seria, parecia que tudo ia melhorar.
O que poderia ser diferente de qualquer outra história trivial de amor? Na verdade, não é, nunca foi, nem precisa ser diferente, histórias de amor, as de filme, as de verão, as de escada de emergência, as que não se vê por contingência, todas tem sua poesia, todas tem seu roteiro próprio, nada original. Por isso tem uma classificação e assim são: Histórias de Amor.
Mas nesses todos dias que acordar o lembravam daqueles outros, as perguntas e as tentativas de fazer as contas, de encaixotar cada informação em uma célula da planilha, de contabilizar, ficavam mais complexas, o que teria feito tudo adoecer tanto?
Se recordava do vestido azul, longo, alternativo voando em cima do cano da bicicleta, do almoço do mesmo dia, do pic-nic diferente no parque, coisas que não tinham acontecido daquele jeito, com aquele humor, com aquela bondade em nenhum lugar, até confundia um pouco a diferença de idade a preocupação "Você não vai avisar sua mãe?" "Não precisa não" ela dizia, e o susto cada vez mais aparecia.
A verdade é que embora as risadas, a mão por debaixo da mesa, a Norteña sobre ela e o carinho estivessem lá. Algo, talvez não deveria estar, embora tudo estivesse certo e no lugar, que os corações pudessem e tivessem de tudo para se encontrar, falta alguma coisa que faz nesse caso, a órbita se alinhar, uma pena ter que constatar que como em outras diversas vezes, lugares, pessoas e pares, faltava o momento certo para uma peça na outra, direitinho encaixar
"Lembra do Temaki que eu te paguei?" costumava pensar, na mordida bonitinha, naquele jeito de andar.
"Lembra das dublagens de filme infantil que faziamos?" talvez fosse algo que ela pudesse recordar, no pão de mel que ela comprou, da fuga assustada da escadaria depois de um abraço diferente, uma coisa de arrepiar.
Além disso, é claro, o sorriso no final da rampa ao encontrar de noite, o lanche quando ele recebeu uma mensagem "to com fome ahhahaha", não era uma obrigação, era parte de conquistar.
Mas lembrava de susto outra vez, a pergunta, essa que não queria calar: Onde estava a doença, que fez tudo aquilo, que era tão doce amargar, acabar?
"Sei lá... tá eu sei que não é só culpa minha, mas é só culpa minha que eu vejo hahahaha" a resposta contraditória, fazia voltas e voltas na memória, não deixava nada apagar. Era fácil entender, algumas histórias tem glória, outras nascem para terminar.
O fato é que em algum momento, outras coisas começaram a prejudicar, era um passado mal resolvido, uma morte, eram cartas, distâncias, nada que pudesse ajudar, tudo de confuso, difuso, é o famoso mal uso, daquilo que a gente gosta, mas não sabe (não tá preparado para) cuidar.
Ai a gente usa de um jeito que vai esbarrando nos cantos, isso, de pouco em pouco, começa a (muito) machucar, no comecinho sangra um pouco, depois, não dá para estancar.
Ai vem desculpa, culpa, desculpa, culpa, parece que não sai do lugar é uma corda que parece que estica, mas sem perceber ela começa a estourar. E como faz para sentir? Como faz para se escutar? Entender, e ai, (ele, ela, os dois, eles, aqueles lá, fulanos) conseguem de novo caminhar?
Parece que sim, mas é tanta dor para curar? Como falava a vó de um deles (não sei se dá para recordar) é uma dor fininha do no peito. Mas daí vem a pergunta: Dor (fina ou grossa) dá para assim classificar?
A cada dia que passa, talvez ela também vá perguntar, o medo que antes assusta, talvez possa aconchegar, justificar, parece um cópia do outro, só o tempo, dos atos para diferenciar. Será, que um dia dá para se encontrar?
Bom, o certo é que parece que não, que parece que o frio que escreve as ideias nas duas cabeças, ajuda algumas coisas a petrificar, congelar, ficar guardada debaixo de um monte de outras histórias, que devagarzinho, começam na vida a cair, a chover, irradiar, a nevar...
O contato com essa neve é bom, faz entender, que não é só o calor, a paixão, o frio também faz queimar.
E queima gelado, distante e incômodo, vira muito, vira a cabeça o estômago.
Queria, amiga, Querido, amigo. Tem gosto de chocolate, um bem gostoso, amargo e como aquele dia da mensagem do telefone, podia ser "Eu olho, eu leio, ela escreve, sente..." - Você, na minha boca, como teu gosto, ainda é intenso."
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Pode ser de um monte de gente, a impessoalidade das histórias faz com que todo mundo sinta o que ninguém quer mais sentir.
Deixa pra lá, esse papo nunca funcionou
Tem letras que escorrem para aliviar.
Beijo na testa
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