Monday, June 07, 2021

Padaria


 Padaria deve ser uma das maiores expressões do que é ser paulistano...


Da que costumo ir quando estou por aqui, na esquina da rua de casa, tem uma parede de vidro, dela vejo a igreja, aquela onde eu pequenininho decidi ir sozinho e que abriu um novo mundo para mim.

Na frente dela, tem uma praça. O mais louco é que esta praça funciona como rotatória, do nível do chão parece uma praça redonda, susto foi quando ao subir na torre da igreja para tocar o sino, olhei pela janela e descobri que era oval.

Caminhar por aqui sempre foi normal, automático, ia de um lado para o outro e por mais que as novidades surgissem aqui e acolá, sempre foi natural, como um corpo que cresce, como uma personalidade que vai devagar mudando.

Sempre até esta última vez, caminhei devagar e senti o gosto de estar por aqui, meus olhos lacrimejaram e minhas lembranças me contaram histórias que se impregnaram em quem eu sou, de um jeito que nem prestava mais atenção. É engraçado quando algo faz tão parte de nós.

Lembrei 

Lembrei de quando saia do portão à direita, virava a direita de novo e ia passar tardes na casa do meu amigo. Passei por lá, duas placas de vende-se a luz apagada, o piano já não tocava mais, afinal o pai morreu, a mãe saiu a irmã também. até a filhina nasceu. Onde este tempo correu tão rápido?

Lembrei quando olhei para baixo, na calçada quebrada e depois na lisinha, como foi aprender andar de bicicleta, quando minha mãe soltou o banco dela e eu fui sozinho ampliar meu horizonte, será que foi a primeira vez? Não sei.

Sei que olhei para a casa anexa a do vizinho, lembrei que ensinei o Arquimedes a andar de "bike" também, na caloi ceci rosa da minha irmã. Neste chão, ensinei pela primeira vez.

Adoro a forma que as coisas se passam por aqui, como me relaciono com os lugares, como as dores,os sabores, as lembranças e os temores se cruzam.

Eu podia lembrar do MASP, das livrarias gigantes, do aquário, que é um dos mais bonitos que eu já vi.

Lembro até.

Mas lembro que tirei uma foto da rocha que tem debaixo deste museu para minha recuperação de educação artística (sim eu consegui), dos puffs que disputei no chão da cultura, de atravessar a Paulista de ponta a ponta, vendo o Sol laranja escurecer.

Eu senti vontade de tanta coisa, senti vontade de entender por que isso é tão eu e eu sou tão isso, que já nem me encaixo tanto assim. Quis passar na porta da minha antiga escola, passei na porta da escola que dei aula usando camiseta roxa com a estampa do Playmobil.

É uma sensação diferente, quando você sabe o nome das ruas, até as que não são tão perto de você, que você sabe como chegar, quando você conhece o sistema de transporte e pode até ajudar outra pessoa a se localizar.

Gosto de lembrar das chuvas que tomei, dos bares que almoçava, dos parmegianas e das tubaínas. Gosto (hoje) de lembrar dos ônibus que corri atrás para pegar e a sensação engraçada de capturar um embarque, chegar ofegante e me jogar num banco vazio no fim da noite ao voltar para casa.

Como era bom, tinha um sanduiche embrulhado no papel alumínio me esperando.

São 9:15, o Uber chega, queria ficar um pouco mais com "minha velhinha", mas ele me leva embora de novo. Erra um pouco o caminho e eu sei disso, pois errou sobre uma rota que está escrita em mim. 

Depois de vacilar, ele se acha, faz um retorno, me deixa no lugar, que me faz cair na real:

Sempre há algo para aprender.


No balcão de informações eu pergunto.


-"Onde eu embarco no We Mobi?"

- Posso ver sua passagem?

!- Ah! é Plataforma 26, descobri :) Obrigado :D

Encontro um banco vazio, nestes tempos é o mais importante.


Abro o computador e escrevo isso, com a cabeça no que vem a seguir:

"A gente nunca tem muita certeza para onde vai, mas que bom que sabe tão dentro do coração de onde veio."

Encharca de novo... jajá eu estou de volta.