Saturday, May 23, 2020

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Do ar que circula no jardim
Do aroma que exala da pétala
Eu sou o grão minúsculo de poeira
Que é empurrado pelo vento
Do sol e da chuva
Do mais delicioso sabor
Da lembrança mais doce e da mais difícil
Eu sou o grão minúsculo
Que é empurrado pelo vento
Da tinta que escreve
Da ideia que brilha
Da caminhada contente
Da dor que vem
Eu sou o grão minúsculo
Que é empurrado pelo vento
Da viagem longa
Dos rostos que eu não conheço
Ou dos que eu nunca vou ver
Sou o grão minúsculo
Invisível
Que passa
Que meu toque seja suave
E que não machuque
Quando eu for
Empurrado pelo vento


Saturday, April 04, 2020

Não estou encontrando posição

Acordo no meio da tarde, meio perdido, aquele sono depois do almoço as vezes te recoloca no lugar, as vezes te faz sentir completamente perdido.

Tenho uma dor que vai do pescoço até o meio do braço esquerdo, parece que é uma dor de inflamação, não sei. Não faço ideia do que seja.

Encontro uns comprimidos que tenho aqui em uma sacola cheia de remédios "Infralax", tomei dois de uma vez, por que a dor parece que me queima os músculos do braço, já faz umas duas semanas que está assim, e a cada dia piora um pouquinho mais.

Acontece que não pode ir ao pronto socorro, e tem o fato também que sabe-se lá quando, vou conseguir uma consulta com alguém que possa me ajudar a descobrir o que é isso. O mundo parou.

Saio um pouco para caminhar, visto uma roupa sem me preocupar muito se as peças estão combinando, percebo também que ela já está um pouco mais apertada. Não fosse essa queimação terrível, talvez eu não estivesse tão chateado,  já não estou conseguindo dormir, por que não encontro uma posição que deixe meu corpo descansar direito.

O Sol encosta na minha pele, vejo a rua meio vazia, caminho até a loja de conveniência para comprar alguma coisa, meu paladar pede açúcar, então provavelmente logo minha camiseta vai estar mais apertada ainda.

Rapidamente chego na lojinha, pego um pacote daquelas balas de gelatina, minha preferida é uma circunferência vermelha, azeda, cheia de açúcar, a menina que me atende no caixa está usando uma máscara caseira, dessas que estão ensinando a fazer utilizando tecidos nos sites da internet, só que está usando errado.

Olha para mim, sorri e diz "A máscara era para proteger a boca, mas (sic) protegendo é meu queixo né?"Eu finjo um riso, amarelo, quero pagar e sair.

Saio de lá com meu pacote, olho de novo para os lados, um casal atravessa a rua, eles também usavam máscaras, só que desta vez corretamente. Os raios de Sol batem em mim novamente.

Respiro fundo, presto atenção, parece que agora não pode-se encostar em nada, sinto vontade de apoiar na parede, sentar no meio fio e comer aquelas borrachas açucaradas devagar esperando esse tempo passar, mas não dá.

Rasgo a embalagem a partir de um pequeno corte que fiz com os dentes, pego de duas em duas, a ponta dos meus dedos tem cristais de açúcar.

Caminho de volta ao meu zigurate, devagar, é tudo meio melancólico, sair com medo, não encostar nas coisas, as máscaras erradas que mostram sorrisos, as máscaras corretas que os escondem, essa camiseta apertada a rua totalmente esvaziada e essa dor terrível que não me faz encontrar jeito para nada.

Nas notícias, não sei quantas mortes.

Me sinto vivo



Beijo na testa

Thursday, April 02, 2020

Doisdeabrildedoismilevinte

De repente o  mundo parou

Parou mas as pessoas dizem que estão trabalhando mais. Sinto até que estão um pouco mais pacientes umas com as outras. As percepções parecem estar mais aguçadas para as necessidades reais, nos preocupamos em cuidar da nossa saúde, nos preocupamos em perguntar se alguém mais velho precisa de ajuda.

Estamos lembrando um do outro, pensando "estou sentindo falta de ver pessoas, de estar no meio, de poder tocar..."

Ainda no rádio, nos textos, nas telas, se fala muito disso, se fala nas ações, se fala na curva, em achatar a curva, em como usar máscaras, em como não usar as máscaras, em como conservar a máscara, em como costurar sua própria máscara!

Também tem gente que aproveita de uma forma boa, trabalha entregando, vai de lá para cá, nunca circulou tanto, nunca foi tão necessário e respeitado, é um bom exemplo para perceber como todos merecem o devido respeito.
Mas tem gente que aproveita da maneira errada, faz o álcool gel ficar mais caro, inflaciona o serviço, se aproveita no momento que tinha que ajudar.

A gente não sabe quando vai acabar, as vezes contempla a força da Natureza nos sussurrando: "Hey, ta vendo? Eu posso parar você, você e você..." E é o que estamos fazendo, alguns poucos, delirantes da insanidade, esperneiam, se fizer um esforço, talvez dê para entender uma razão ou outra, de fato da medo do que virá, mas o que está já também não é amedrontador?

Tenho 35, espero ter 36 e até bastante mais, nunca vi nada assim, uma força tão silenciosa, tão invisível que fez todo mundo enxergar a vida de maneira diferente. Dar outro significado ao trabalho, encontrar outra forma de produzir, inovar na forma de se comunicar, aprender, criar, conversar, refletir, chorar(e)rir. Escrever, dançar, cantar, buscar entender o que vai vir, o que vai ir o que vai ficar.

O que dá para saber? Bom não dá.

Só dá para perguntar, se de fato o que disso tudo a gente vai aprender de verdade, aquilo que vai nos marcar, para que assim não repitamos muitos dos erros individuais, que tornam o nosso coletivo tão doente de outras coisas.

Que saiamos curados disso tudo, que nosso planeta depois dessa lição, seja bondoso, nos perdoe mas que permaneça vigilante, esse tempo isolado é um bom recado daquilo que Ele é capaz.


Beijo na testa

Sunday, January 19, 2020

305

Foi até um pouco engraçado perceber que tinha mais gente lá naquele salão tomando o seu café.
Depois de terem experimentado um pouco de casa coisa que tinham vontade, garfaram juntos um pedaço de torta, com as outras mãos enroscadas uma nas outras conversaram mais um pouco.

- Quero ver o festival das lanternas na Tailândia
- É mesmo? Já ouvi falar, mas não está nos meus planos de viagens para a vida
- Ainda...

Ai, tal qual como as mãos, olhos olhos verdes se enroscaram nos castanhos

- ... É, ainda! Quem sabe não vou lá antes que você.
- Hey! A gente vai junto!
- Hahaha tá, e para onde mais vamos? Frankfurt?
- Berlim, lá é a capital vegana do mundo!
- Mesmo? Ok então, Berlim parece muito bom, então um dia estaremos tomando um café como esse em Berlim, torta vegana e tudo mais

Respiraram fundo, mudaram de assunto, o tempo estava acabando, mas parecia que não devia acabar.

- Preciso cortar minha franja sabe? E mexia naqueles cabelos claros, um pouco bagunçados, mas tão bonitos

- É mesmo? bom, não entendo nada de franja, mas é para mudar o penteado? Está tão bonita!




- Sabe que sei? Deixar a franja crescer é complicado, o que se faz com meia franja?
- Hahaha não sei, como te disse, disso eu não entendo.

E a conversa despretensiosa de mão enroscada, podia continuar por mais tantas horas, naquela mesa encostada na parede, podia ser em qualquer lugar do mundo, Bangkok, Berlim, algum lugar do 2º planalto, não importava.

Então, viram que a hora passou.

- Vamos?


- Vamos!

Caminharam juntos para fora daquele salão de madeira, brincaram com o fato de um deles não estar enxergando bem, por que tinha acabado de ser vítima do paradoxo do óculos (“se você está sem óculos , precisa colocar um óculos para achar seu óculos”), se divertiram.

Deram um abraço feliz, viram o reflexo no espelho.

De novo os olhos se enroscaram

- Formamos um casal bonito não acha?



- Muito bonito, tão bonito que dói.
- Tão bonito, que não devia acabar.


Subiram, arrumaram suas coisas, foram embora. Cada um para o seu lado, por que assim estão juntos




Beijo na testa


Tuesday, January 14, 2020

Povo sem relato...

Pare de ser poesia
Poesia viva
De Carneosso
De olhos
e
Beijo roubado no pescoço
Pare de ser poesia
De ser bom dia
De ser ordem para minha boca
"Sorria!"
Pare de me despertar
De me tirar da agonia
De me lembrar de que um dia
Aquilo que eu senti, já não
Ia
Pare, bem perto
Me da um abraço
Me junta
Faz um laço
Pare de ser poesia
Hoje é noite, iluminada
Nosso dia.



Beijo na testa

Ual...