Saturday, April 04, 2020

Não estou encontrando posição

Acordo no meio da tarde, meio perdido, aquele sono depois do almoço as vezes te recoloca no lugar, as vezes te faz sentir completamente perdido.

Tenho uma dor que vai do pescoço até o meio do braço esquerdo, parece que é uma dor de inflamação, não sei. Não faço ideia do que seja.

Encontro uns comprimidos que tenho aqui em uma sacola cheia de remédios "Infralax", tomei dois de uma vez, por que a dor parece que me queima os músculos do braço, já faz umas duas semanas que está assim, e a cada dia piora um pouquinho mais.

Acontece que não pode ir ao pronto socorro, e tem o fato também que sabe-se lá quando, vou conseguir uma consulta com alguém que possa me ajudar a descobrir o que é isso. O mundo parou.

Saio um pouco para caminhar, visto uma roupa sem me preocupar muito se as peças estão combinando, percebo também que ela já está um pouco mais apertada. Não fosse essa queimação terrível, talvez eu não estivesse tão chateado,  já não estou conseguindo dormir, por que não encontro uma posição que deixe meu corpo descansar direito.

O Sol encosta na minha pele, vejo a rua meio vazia, caminho até a loja de conveniência para comprar alguma coisa, meu paladar pede açúcar, então provavelmente logo minha camiseta vai estar mais apertada ainda.

Rapidamente chego na lojinha, pego um pacote daquelas balas de gelatina, minha preferida é uma circunferência vermelha, azeda, cheia de açúcar, a menina que me atende no caixa está usando uma máscara caseira, dessas que estão ensinando a fazer utilizando tecidos nos sites da internet, só que está usando errado.

Olha para mim, sorri e diz "A máscara era para proteger a boca, mas (sic) protegendo é meu queixo né?"Eu finjo um riso, amarelo, quero pagar e sair.

Saio de lá com meu pacote, olho de novo para os lados, um casal atravessa a rua, eles também usavam máscaras, só que desta vez corretamente. Os raios de Sol batem em mim novamente.

Respiro fundo, presto atenção, parece que agora não pode-se encostar em nada, sinto vontade de apoiar na parede, sentar no meio fio e comer aquelas borrachas açucaradas devagar esperando esse tempo passar, mas não dá.

Rasgo a embalagem a partir de um pequeno corte que fiz com os dentes, pego de duas em duas, a ponta dos meus dedos tem cristais de açúcar.

Caminho de volta ao meu zigurate, devagar, é tudo meio melancólico, sair com medo, não encostar nas coisas, as máscaras erradas que mostram sorrisos, as máscaras corretas que os escondem, essa camiseta apertada a rua totalmente esvaziada e essa dor terrível que não me faz encontrar jeito para nada.

Nas notícias, não sei quantas mortes.

Me sinto vivo



Beijo na testa

Thursday, April 02, 2020

Doisdeabrildedoismilevinte

De repente o  mundo parou

Parou mas as pessoas dizem que estão trabalhando mais. Sinto até que estão um pouco mais pacientes umas com as outras. As percepções parecem estar mais aguçadas para as necessidades reais, nos preocupamos em cuidar da nossa saúde, nos preocupamos em perguntar se alguém mais velho precisa de ajuda.

Estamos lembrando um do outro, pensando "estou sentindo falta de ver pessoas, de estar no meio, de poder tocar..."

Ainda no rádio, nos textos, nas telas, se fala muito disso, se fala nas ações, se fala na curva, em achatar a curva, em como usar máscaras, em como não usar as máscaras, em como conservar a máscara, em como costurar sua própria máscara!

Também tem gente que aproveita de uma forma boa, trabalha entregando, vai de lá para cá, nunca circulou tanto, nunca foi tão necessário e respeitado, é um bom exemplo para perceber como todos merecem o devido respeito.
Mas tem gente que aproveita da maneira errada, faz o álcool gel ficar mais caro, inflaciona o serviço, se aproveita no momento que tinha que ajudar.

A gente não sabe quando vai acabar, as vezes contempla a força da Natureza nos sussurrando: "Hey, ta vendo? Eu posso parar você, você e você..." E é o que estamos fazendo, alguns poucos, delirantes da insanidade, esperneiam, se fizer um esforço, talvez dê para entender uma razão ou outra, de fato da medo do que virá, mas o que está já também não é amedrontador?

Tenho 35, espero ter 36 e até bastante mais, nunca vi nada assim, uma força tão silenciosa, tão invisível que fez todo mundo enxergar a vida de maneira diferente. Dar outro significado ao trabalho, encontrar outra forma de produzir, inovar na forma de se comunicar, aprender, criar, conversar, refletir, chorar(e)rir. Escrever, dançar, cantar, buscar entender o que vai vir, o que vai ir o que vai ficar.

O que dá para saber? Bom não dá.

Só dá para perguntar, se de fato o que disso tudo a gente vai aprender de verdade, aquilo que vai nos marcar, para que assim não repitamos muitos dos erros individuais, que tornam o nosso coletivo tão doente de outras coisas.

Que saiamos curados disso tudo, que nosso planeta depois dessa lição, seja bondoso, nos perdoe mas que permaneça vigilante, esse tempo isolado é um bom recado daquilo que Ele é capaz.


Beijo na testa